Artigo: Suspensão dos despejos, uma necessidade na pandemia e depois também
* Por Raquel de Paula, da direção do PSTU de São José dos Campos
Nas
últimas semanas, o debate sobre a proibição de despejos na pandemia ganhou
destaque com decisão no âmbito do STF (Supremo Tribunal Federal) e votações no
Legislativo, tanto no Congresso, como na Assembleia Legislativa de São Paulo.
No dia 3 de junho, o ministro do STF Roberto Barroso suspendeu por seis meses todas as reintegrações de posse de áreas rurais e urbanas, desde que a ocupação tenha ocorrido em data anterior ao anúncio oficial da pandemia da Covid-19, em 20 de março de 2020.
Também ficam suspensos os despejos por falta de pagamento de aluguel residencial, nos casos em que o inquilino seja pessoa vulnerável. Para ocupações iniciadas após essa data, segundo a decisão, o Poder Público deverá evitar a sua consolidação, devendo levar as pessoas para um abrigo público ou garantir-lhes moradia adequada.
Já na última quarta-feira (9), a Alesp finalmente aprovou o 146/2020 que também suspende despejos, remoções e reintegrações de posse, judiciais e extrajudiciais, em todas as cidades do estado. A medida vale até três meses depois do fim do período de calamidade pública em razão da pandemia.
No Congresso, projeto de teor semelhante (PL 827/2020) já foi aprovado na Câmara e segue à espera de votação no Senado.
Fazia tempo que os movimentos lutam pela suspensão das desocupações forçadas e a decisão do STF, bem como o projeto já aprovado na Alesp, deve ser comemorada, pois evitam que milhares de famílias sejam jogadas à contaminação pelo coronavírus e também contaminem outras em plena pandemia. Protege a saúde, a vida e a dignidade humana, direitos fundamentais de todos.
Segundo levantamento da Campanha Despejo Zero, somente durante a pandemia, 14.301 famílias foram removidas de suas moradias e outras 84.092 famílias estão ameaçadas de despejo ou remoção em todo o país. Vale ressaltar, contudo, que esses dados, atualizados até 6 de junho de 2021, são colaborativos (que vieram por denúncia registrada no link da Campanha Despejo Zero), portanto, subnotificados. A realidade é muito mais dramática, apontam os movimentos por moradia.
Porém, as decisões que estão suspendendo os despejos na pandemia devem ser encaradas como um alívio temporário em uma situação de calamidade. Mas não resolvem o problema de fundo, que é a absurda falta de moradia e a brutal desigualdade social no país.
Antes da pandemia, o déficit habitacional urbano era de 6,4 milhões de domicílios e o rural era próximo de 1,5 milhão, segundo o Ipea. Depois do anúncio da pandemia, apesar de não haver ainda um estudo com dados atuais, esses números certamente cresceram muito.
Tudo isso porque o desemprego é recorde e, quem não perdeu o emprego, ficou sujeito à redução de salário. O preço do aluguel explodiu, chegando a 30% em abril deste ano. Ou seja, uma família, de um mês para o outro, teve redução significativa de rendimentos junto com um aumento brutal do aluguel.
Essa situação fez crescer o número de pessoas que passaram a ocupar terras. Fora isso, a alternativa é morar nas ruas ou em algum abrigo público, onde quer que eles existam e sob condições desconhecidas. E as perspectivas, infelizmente, são péssimas.
Todas as esferas de governo são contra as ocupações, fazem tudo para evitá-las e, se ocorrem, não tem nenhuma vergonha em jogar uma parte da população nas ruas. Além do que, os antigos e parcos programas habitacionais agora sequer existem.
Em São Paulo, por exemplo, o governador João Doria, assim que assumiu o mandato, em 2019, extinguiu a CDHU, que era responsável pelas regularizações fundiárias urbanas.
Em São José dos Campos, foi criado o programa Casa Joseense, que nada mais é que a concessão de uma carta de crédito, um subsídio e aporte financeiro, que somados, chegam a R$ 54.200 e servem para compra de um imóvel de até R$ 135 mil. Ou seja, não há nenhum programa habitacional. Para a família que se adequar às regras, são concedidos esses itens e, a partir daí, deverá buscar no mercado imobiliário uma moradia em uma cidade onde sabemos a especulação corre solta e os preços aumentam, mesmo na crise atual.
Quanto aos imóveis rurais, o governo Bolsonaro praticamente enterrou a reforma agrária. Não chegou a extinguir o Incra, mas esvaziou o órgão de recursos financeiros e humanos, sem falar na intervenção em sua direção, tornando impraticável sua atuação.
O fato é que no sistema capitalista a terra e os imóveis são apropriados por uma pequena parcela da sociedade e estão a serviço de interesses da especulação imobiliária.
A solução para a carência de moradia, então, passa necessariamente por enfrentar a lógica dos governos que, ao invés de ver a questão habitacional como um direito, trata apenas para garantir a especulação e o lucro.
Em nosso país, temos mais casas sem gente, do que gente sem casa. Portanto, basta cumprir o que, inclusive, já determina a Constituição: a função social da terra. Áreas improdutivas devem ser utilizadas para a reforma agrária ou construção de moradias populares; imóveis vazios, abandonados e que não cumprem sua função social, muitos deles com dívidas de impostos, como o terreno do Pinheirinho, por exemplo, devem ser expropriados. Os governos devem adotar políticas públicas efetivas de construção de moradias populares.
Essas reivindicações e o combate à concentração de terra e à especulação só podem ocorrer com a luta dos “de baixo” contra a ganância dos “de cima” e, principalmente, numa perspectiva de acabar com este sistema capitalista, que alimenta essa lógica desigual e injusta, e sua substituição por uma sociedade socialista.
Artigo publicado no site do jornal O Vale, em 14 de junho de 2021
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