Em defesa do Banhado e sua gente
28/11/2018 - Prefeitura esconde os verdadeiros propósitos para a desocupação forçada da população que vive no local há quase 80 anos.
O PSTU já está nessa luta ao lado da população do Banhado há muito tempo. E, por isso, podemos contar a história.
Tinta verde
Verdadeiros propósitos
Agressões ambientais
População local deve ser respeitada
Por Toninho Ferreira, presidente do PSTU São José dos Campos
Foto: Cláudio Vieira
Não é de hoje que a prefeitura de São José dos Campos vem tentando desalojar os moradores do Banhado. Todas as justificativas para os incontáveis ataques a essa população são meras dissimulações de seus objetivos, que são construir a “Via do Banhado” e a consequente valorização dos terrenos adjacentes.
O PSTU já está nessa luta ao lado da população do Banhado há muito tempo. E, por isso, podemos contar a história.
A “Via do Banhado” faz parte de um grande plano de expansão da malha viária na cidade que, por sua vez, faz parte de outro, chamado “PEU - Programa de Estruturação Urbana”.
Em 2005, a prefeitura de São José dos Campos apresentou esse projeto, cuja principal premissa era a de que grandes investimentos viriam para a cidade, em especial por conta de alguns empreendimentos pontuais: pré-sal (Petrobras), caça AMX (Embraer), míssil 2020 (Avibras), trem-bala (governo federal), entre outros.
Com esse gigantesco aporte de capital, viriam também, além dos próprios investidores e suas famílias, uma significativa massa de trabalhadores, o que certamente implicaria em um crescimento populacional. A cidade deveria se preparar para isso. Assim pensavam os administradores da época. A solução encontrada foi estabelecer duas linhas divisórias distintas, uma chamada de “vetor de crescimento econômico” e a outra, “vetor de crescimento populacional”.
O primeiro “vetor” foi traçado pelos bairros das zonas sul e oeste e, o segundo, pelas zonas norte e leste. Assim, no primeiro, seriam abrigados os investidores e suas famílias, enquanto no outro, os trabalhadores e a população mais pobre. Notamos aí um nítido propósito de apartheid social.
Entre esses bairros, haveria um gigantesco sistema viário, possibilitando um maior e mais fácil fluxo de entrada e saída da cidade. Assim, a Via do Cambuí, o prolongamento da Via Norte, com a Via do Banhado até a Via Oeste, que também será prolongada até a Rodovia Carvalho Pinto, passando pelo Jardim das Indústrias, Jardim Limoeiro e Rio Comprido – desalojando populações – fazem parte desse projeto.
Não é por acaso que grandes condomínios de luxo foram construídos em bairros como Urbanova, Aquarius, Jardim Satélite e Bosque dos Eucaliptos e os adensamentos mais pobres ficaram para Buquirinha, Vila Paiva, Freitas, Altos de Santana, Novo Horizonte, Santa Cecília e Jardim Coqueiro.
Tinta verde
Todo o plano está sendo financiado pelo BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, o qual, para liberar o crédito, exigiu salvaguardas ambientais. Isso porque há um bom volume de dinheiro internacional destinado a projetos de cunho social, em especial em áreas urbanas.
Para adequar o PEU às exigências do BID, a Prefeitura escreveu no projeto que o mesmo destinava-se à gestão ambiental e social, bem como à mobilidade urbana. Fora isso, ainda especificou algumas áreas verdes encravadas entre as grandes avenidas, as quais, na verdade, não são unidades de conservação do meio ambiente, mas sim pracinhas, iguais a essas que a gente vê aqui e ali. Nada de mais. Com isso, a Prefeitura apresentou o mesmo projeto de divisão social da cidade e expansão da malha viária, só que pintado de verde. Aí o financiamento saiu, em 2011.
A Via do Banhado, assim como as outras grandes avenidas do projeto, muito antes de servir de ligação rápida entre bairros nobres e as entradas e saídas da cidade, tem como propósito primário valorizar terrenos. Por mais incrível que possa parecer, São José dos Campos é uma cidade em que a expansão imobiliária está no começo. Ainda há muito para se edificar. Não para atender à grande demanda habitacional – cerca de 26.000 famílias – mas para gerar lucro para a indústria da construção civil local.
O problema é que essa expansão um dia começará a diminuir e a atividade econômica das construtoras idem. Para adiar o início da crise, é necessário aumentar a taxa de lucro atual ao máximo. Para isso, nada melhor que valorizar os terrenos. E abrir avenidas perto deles é uma excelente opção. Esses terrenos, claro, já pertencem a essas empresas. Como valem “pouco”, não é interessante incluir no custo da obra pronta o preço do metro quadrado do terreno. Então, como por magia, eles passam a valer muito mais após a avenida pronta.
Essa valorização, é bom notar, é falsa. Ninguém investiu nada nos terrenos e eles são exatamente os mesmos de antes das avenidas. Ou seja, o empresário não teve que gastar nada para fazer com que seu terreno passasse a valer muito mais. Custo zero. Porém, na hora de vender um apartamento, por exemplo, o metro quadrado do terreno será incorporado no preço da obra pelo valor maior. A taxa de lucro, assim, cresce enormemente.
Agressões ambientais
Além de ter pouca ou nenhuma utilidade pública, a Via do Banhado provocará degradações na mais importante área ecológica urbana que temos. O Banhado é área de várzea do Rio Paraíba do Sul. Por isso, o solo possui um ecossistema bastante rico. Mais que um “Cartão Postal”, a área torna o ar que respiramos mais suportável. Toda a vegetação ali existente atua como um filtro para os gases expelidos pelos motores dos veículos e pelas chaminés das fábricas.
Mas a função mais importante é a regulação do microclima da cidade. Os ventos frios que vem do litoral são aquecidos quando penetram na área urbana, por causa da escassez de vegetação, concentração de poluentes, reflexão da radiação solar pela cobertura asfáltica e outros fatores presentes nos centros urbanos. O Banhado resfria o ar que vem da Zona Sul e permite que o calor seja amenizado. Não fosse esse resfriamento, as temperaturas no centro e Zona Norte, principalmente, seriam insuportáveis. E agora, época em que o aquecimento global está se acentuando e nossos verões já apresentam temperaturas por volta de 37/38º, é impensável tirar a vegetação e jogar asfalto justamente no local que faz com que o calor seja suportável.
Essas e outras funções ecológicas do Banhando ainda estão presentes. Portanto, não é verdade que a área já estaria degradada e, por isso, uma avenida ali não faria diferença. A propósito, a única degradação do Banhado vem da própria cidade, que despeja ali uma considerável quantidade de esgoto doméstico todos os dias. A importância ecológica do Banhado é tanta que foi reconhecida oficialmente. A Lei Estadual 11.262/2002 criou no local uma Área de Proteção Ambiental (APA), proibindo uma série de atividades, entre as quais a remoção da cobertura vegetal existente. Só isso já impediria a abertura de uma avenida ali.
A orla do Banhado abriga um bairro chamado Jardim Nova Esperança há cerca 80 anos, maldosamente apelidado de “Favela do Banhado”. Temos que reconhecer que não é o melhor lugar para se viver. Algumas casas estão construídas sobre o solo turfoso e, sem exagero, afundam sensivelmente. Fora o frio e a umidade. Por isso, muitas das 400 famílias já deixaram o local.
Para essas e as que quiserem sair dali, devemos lutar para que tenham moradias dignas. Por outro lado, há ainda muitas famílias que não querem ir embora, mesmo porque, uma parte dessas pessoas tem sua subsistência garantida pelo próprio Banhado, através do cultivo de hortaliças, vendidas no “Mercadão” do centro. Ou seja, sair dali, mais do que a moradia, significa a perda do meio de vida.
Para essas que querem ficar, a Prefeitura deve reintroduzir os equipamentos públicos que existiam e foram tirados ao longo dos anos, como política de desestímulo à permanência deles, e dotar o bairro com os serviços de que necessitam.
Foto: Cláudio Vieira