Mortes, remoções, obras caras e repressão: o legado da Copa

4/4/2014 - O discurso dos governos Lula e Dilma e dos defensores da realização da Copa do Mundo no Brasil alega que o megaevento traria uma oportunidade inédita de investimentos ao país, empregos e desenvolvimento. Seria o “legado da Copa”. Contudo, a pouco mais de dois meses para o início do mundial de futebol no país, o cenário é caótico e marcado por violações aos direitos humanos.

No último dia 29 de março, morreu mais um trabalhador vítima das obras da Copa. Fábio Hamilton da Cruz, de 23 anos, perdeu a vida depois de cair de uma altura de cerca de oito metros, enquanto trabalhava nas obras das arquibancadas provisórias da Arena Corinthians, o Itaquerão, em São Paulo. Os depoimentos de colegas de Fábio revelam que o operário foi vítima de condições precárias de trabalho.

A falta de segurança em canteiros de obras pelo país não é uma novidade no setor da construção civil, que registra uma média de uma morte por dia, mas a pressão da FIFA, governos e construtoras sobre os trabalhadores tem sido absurda, criando um ambiente sem segurança e com desrespeito aos direitos dos operários.

A morte de Fábio foi a terceira apenas no estádio do clube paulista, que vai sediar a abertura da Copa do Mundo, no dia 12 de junho. Em todo o país, o saldo de mortes já soma nove operários, sem contar os vários acidentes de trabalho ocorridos.

As mortes são a face mais cruel e desumana dos preparativos do Mundial, mas os problemas são vários e de todos os tipos. Remoções forçadas para a realização de obras da Copa já afetaram milhares de pessoas.  Praticamente todos os estádios estouraram o orçamento em até 200% mais caro. Obras e projetos apresentam um atraso absurdo, não tendo sido entregues nem a metade do previsto. Uma legislação de exceção está em vigor no país e a repressão tem recrudescido a cada dia.

Despejos forçados e violentos
Em nome da Copa, estão ocorrendo graves violações de direitos humanos. A Ancop (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa) estima que cerca de 250 mil pessoas foram ou serão removidas em razão de obras para o mundial de futebol e para as Olimpíadas de 2016. Os números podem ser maiores, pois os governos não dão informações reais e completas sobre os despejos.

Organizações e movimentos populares denunciam que despejos violentos, truculência por parte da PM e do poder municipal, chantagens e pressão psicológica são os métodos que vêm sendo utilizados contra as comunidades, que são obrigadas a sair dos locais onde moraram por décadas para dar lugar a empreendimentos da Copa.

As compensações não são suficientes para garantir o direito à moradia adequada em outro local e, em grande parte dos casos, não houve reassentamento onde as condições pudessem ser iguais ou melhores daquelas em que as pessoas se encontravam. Nos casos em que aconteceu algum tipo de reassentamento, esse se deu em áreas muito distantes dos locais originais de moradia, prejudicando os moradores no acesso aos locais de trabalho, estudo e condições de vida.

Orçamentos até 201% mais caros
A maioria dos estádios da Copa estourou o orçamento. O Estádio Nacional Mané Garrincha tinha um custo inicial de R$ 631milhões.  Até agora já consumiu 1,6 bilhão e o TCU calcula que chegará a R$1,9 bilhão, ou seja, valor 201% mais caro que o previsto.

O Estádio Beira-Rio, de Porto Alegre (RS), está 154% mais caro. O custo da reforma passou de R$ 130 milhões para R$ 330 milhões.

A Arena Pantanal, em Cuiabá (MT), sairá 67% mais cara.  Deveria custar R$ 342 milhões, mas atualmente está orçada em R$ 570 milhões.

Também sairão bem mais caros os estádios do Itaquerão/SP (22%), Maracanã/RJ (29%), Mineirão Cidade/BH (63%), Arena Amazônia/AM (47%), Arena da Baixada/PR (44%), Arena das Dunas/RN (30%), Arena Fonte Nova/BA (17%), Arena Pernambuco/PE (32%) e Arena Castelão/CE (30%).

De acordo com a ONG “Contas Abertas”, pelo menos, quatro dos 12 estádios construídos e reformados vão se transformar em “elefantes brancos”, ou seja, obras caras e vultosas, mas que não serão utilizadas efetivamente.

Atrasos e obras que não serão entregues
Com base em dados até fevereiro deste ano, um balanço da execução dos projetos da Copa apresentado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) revela que não chega a 50% a quantidade de obras e projetos entregues do chamado legado que o Mundial deixaria para o país. São obras e investimentos em mobilidade urbana, segurança, aeroportos, portos, telecomunicações e estrutura de turismo.

Todas as áreas, incluindo a construção dos estádios, apresentam uma execução atrasada de seus cronogramas e com boa parte dos projetos em andamento sem condições de serem aprontados a tempo da Copa.

Quando o Brasil foi anunciado pela Fifa como sede do Mundial, em 2007, o então presidente Lula afirmou que essa seria a "Copa do dinheiro privado", e que não haveria dinheiro público nos estádios.

Contudo, a última versão da relação de projetos do Mundial, divulgada em setembro do ano passado, traz uma lista de obras com um custo total de R$ 25,5 bilhões. Destes, apenas R$ 3,7 bilhões saem do bolso da iniciativa privada.

Aumento da repressão 
Para impedir protestos e realizar a Copa mesmo que sob uma “paz de cemitério”, o governo Dilma, juntamente com os governos estaduais e municipais, tem reprimido fortemente qualquer manifestação.

Uma legislação de exceção está em vigor no país, desde a aprovação da Lei Geral da Copa, que flexibilizou as leis nacionais para beneficiar a FIFA e seus patrocinadores oficiais, às leis que endureceram a repressão, como sancionada pela presidente Dilma (PT) que autoriza a infiltração da polícia em organizações e movimentos sociais.

A famigerada Lei de Segurança Nacional voltou a ser utilizada e novas leis são feitas para criminalizar os trabalhadores e suas lutas, inclusive com a permissão de intervenção do exército em manifestações.

Na Copa vai ter luta
Em contraste com o caos nos serviços públicos e falta de investimentos em área sociais como saúde e educação, a Copa do Mundo no Brasil deve ser a mais lucrativa para a FIFA. Segundo a própria entidade, o megaevento renderá 10 bilhões de reais aos seus cofres.

A Lei Geral da Copa concedeu à entidade, e suas empresas parceiras, isenção total de impostos no país. Estimativas apontam ganhos para a entidade em torno de 1 bilhão de reais com essa desoneração fiscal.

Nas jornadas de junho, a população brasileira tomou as ruas em todo o país para exigir serviços públicos de qualidade e mais investimentos em saúde, educação, moradia, transporte, enfim, melhores condições de vida.

A indignação contra as injustiças, a corrupção e os gastos absurdos da Copa foi e ainda segue sendo uma das marcas das manifestações.

No último dia 22 de março, mais de 2.500 ativistas de centenas de entidades sindicais, movimentos populares e estudantis e contra as opressões realizaram um encontro nacional, que aprovou um plano de lutas unificado.

Com a presença de trabalhadores de várias categorias, juventude e ativistas em geral que estão em luta no país, o encontro deixou um recado claro: na Copa vai ter luta!

“Nós queremos recursos públicos para saúde, educação, moradia, transporte público e reforma agrária. Na Copa vai ter luta”, afirma a Carta de São Paulo, aprovada no encontro.

Nossas reivindicações:
 - Chega de dinheiro para a Copa, Fifa e para as grandes empresas! Recursos públicos para a saúde e educação! 10% do PIB para a educação pública, já! 10% do orçamento federal para a saúde pública, já!

 - Chega de dinheiro para os bancos! Suspensão imediata do pagamento das dívidas externa e interna! Dinheiro para a moradia popular e para o transporte coletivo! Tarifa zero já! Transporte e moradia são direitos de todos!

- Chega de arrocho salarial e desrespeito aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras! Fim do fator previdenciário! Aumento das aposentadorias! Anulação da reforma da Previdência de 2003 e do Funpresp!

- Respeito aos direitos dos trabalhadores assalariados do campo e agricultores familiares! Reforma agrária e prioridade para a produção de alimentos para o povo!

- Chega de privatizações! Reestatização das empresas privatizadas! Petróleo e Petrobras 100% estatal! Estatização dos transportes!

- Basta de machismo, racismo, homofobia e transfobia!

- Respeito aos direitos dos povos originários, quilombolas e indígenas!

- Basta de violência, repressão e criminalização das lutas sociais! Desmilitarização da PM!  Arquivamento de todos os inquéritos e processos contra movimentos sociais e ativistas! Liberdade imediata para todos os presos! Revogação das leis que criminalizam a luta dos trabalhadores e da juventude! Ditadura nunca mais!