A vitória de Donald Trump: a cara feia do imperialismo

10/11/2016 - O republicano Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Embora no número de votos populares tenha ocorrido um empate virtual entre ele e Hillary Clinton, Trump obteve maioria de representantes no colégio eleitoral. Ainda é cedo para tirar todas as conclusões de um fato político desta dimensão, mas queremos iniciar uma análise, que deverá ser aprofundada posteriormente

A vitória de um personagem burguês populista de direita (com posições xenófobas, racistas e machistas) e com a oposição dos aparatos de ambos os partidos tradicionais provocou forte impacto nos Estados Unidos e no mundo todo, e intensos debates sobre seu significado.

Todos os analistas coincidem em assinalar que a votação de Trump se baseou em amplos setores de eleitores brancos das regiões rurais, de pequenos proprietários e, especialmente, no apoio de trabalhadores brancos empobrecidos há muitos anos, afetados pela desindustrialização, a crise, os baixos salários e a precarização trabalhista ou o desemprego. Uma queda social que não foi revertida pela “recuperação” econômica do período de Obama e a diminuição do desemprego.

Neste setor penetrou o discurso racista, xenófobo e reacionário de Trump contra os imigrantes, seus ataques ao sistema dos “políticos” e suas falsas promessas de que “basta trabalhar duro e seriamente” para que volte a “grandeza dos Estados Unidos” e o “sonho americano” seja recuperado. Este discurso populista de direita permitiu a Trump ganhar não apenas nos estados tradicionais, como também nos “estados pêndulos” e em bases históricas de operários industriais brancos, como Michigan (Detroit). Este setor de trabalhadores expressou assim sua frustração e raiva contra “o sistema”, rompeu com o Partido Democrata e girou à direita, apoiando eleitoralmente Trump. Este voto dos trabalhadores brancos mostra também a ausência de uma alternativa clara e independente, uma direção classista e revolucionária, que chame à unidade da classe trabalhadora, combatendo os preconceitos raciais e  as ideologias burguesas, começando pelas de seu próprio país imperialista.

É necessário dimensionar o peso real deste processo: todos os eleitores de Trump representam apenas 25% do eleitorado real (incluindo as bases agrárias e médias do interior). Por isso, não é possível explicar porque Trump foi eleito, se, ao mesmo tempo, não se considerar o desgaste eleitoral do Partido Democrata e a ruptura pela esquerda de uma parte de sua base eleitoral, que não votou em Hillary nem em Trump. A base deste desgaste é a profunda decepção com os governos de Obama e as grandes expectativas que as massas depositaram nele. Obama governou “para os ricos”, sem resolver nenhum dos problemas mais sentidos pelas massas, manteve uma dura política repressiva e persecutória contra os imigrantes latinos “ilegais” e deu aval à onda de violência, repressão e assassinatos policiais contra os jovens negros.

Soma-se a isto o fato de Hillary ser uma mulher claramente de direita (apoia incondicionalmente Israel e os crimes do sionismo, impulsionou todas as guerras e invasões das duas últimas décadas, apoiou a perseguição aos imigrantes latinos e a repressão aos negros) que, além disso, não tem nenhum carisma entre as massas. Pelo contrário, gera um forte rechaço.

A deterioração econômico-social que analisamos não apenas provocou movimentações à direita, mas gerou também um giro de setores de massa para a esquerda, expressado na alta votação de Bernie Sanders nas primárias democratas. Para além do verdadeiro papel de Sanders, ele se apresentou como algo “novo”, um “socialista” crítico das consequências do capitalismo financeiro. Foi assim que atraiu a simpatia de milhões de jovens. Alguns analistas consideram até mesmo que seria possível que Sanders derrotasse a Trump.

Mas a candidatura de Hillary fechou esta possibilidade e levou à ruptura de muitos destes jovens com os democratas: segundo uma pesquisa, apenas metade dos jovens que apoiaram Sanders votaram em Hillary. Outra importante ruptura foi a de uma parte da população e da juventude negra (expressa no movimento Black Lives Matter), que também não a apoiou. Em ambos os casos, tratam-se de amplas rupturas pela esquerda, extremamente progressivas.

A maioria da esquerda mundial vê apenas as eleições e tira a conclusão de que a vitória de Trump é expressão de um “giro reacionário” que o mundo vive. Não concordamos com esta visão. Existe uma polarização crescente, que agora se expressa nos Estados Unidos.

Para levar adiante suas propostas, Trump deverá enfrentar duas barreiras. A primeira é a luta de classes. Para além de suas promessas populistas, Trump não tem alternativa senão atacar as massas e os trabalhadores como um todo, em benefício do capitalismo imperialista. Pode ser que um setor dos trabalhadores brancos que votaram nele o acompanhe em seus ataques aos latinos e negros, mas outro setor pode se decepcionar rapidamente, e esse apoio atual pode transformar-se em seu oposto.

Os demais setores (que não votaram nele) já o veem como seu inimigo. Por exemplo, um dia após as eleições, jovens ativistas de várias cidades do país realizaram numerosos atos, com milhares de pessoas contra o futuro presidente (algo inédito na história do país). São jovens que não votaram em Trump nem em Hillary e que não se sentem representados por nenhum deles. Uma demonstração do futuro?

A segunda barreira são os próprios quadros da burguesia imperialista, que tentaram evitar a eleição de Trump por não o considerarem “confiável” e não terem acordo com suas propostas. Algumas delas afetam interesses do coração da economia imperialista estadunidense (a burguesia financeira e seu parasitismo). Trump estará disposto a encarar este embate? Nesse caso, é inevitável haver fortíssimos choques.

Outras propostas vão contra a política de “reação democrática”, centro da tática imperialista no mundo para enfrentar as revoluções e as lutas nas últimas décadas, desde a dura derrota na Guerra do Vietnã, em 1975. Consiste em defender os interesses imperialistas combinando e suavizando o “chicote” com negociações, pactos e eleições. Em 2001, Bush tentou mudar esta política com outra “guerra ao terror” (muito mais bonapartista e belicista), mas foi duramente derrotado no Iraque e Afeganistão, gerando uma profunda crise para o imperialismo no mundo (e também internamente). O impulso a Obama e sua eleição representaram uma tentativa de resposta a esta situação, e a intenção de retomá-la ainda mais plenamente (agora com a ajuda do Papa Francisco).

Trump romperá a política de acordos com os Castro em Cuba, as FARC na Colômbia, o Irã no Oriente Médio, ou a política de apoiar-se em eleições nos países semicoloniais? Recordemos que Bush já o tentou de modo parcial e se deu mal com as massas no mundo, afetando o próprio regime político dos Estados Unidos.

Em sua edição em espanhol, o New York Times (muito ligado à burguesia financeira imperialista), analisando a situação e algumas propostas de Trump, alertava: “O próximo presidente eleito enfrentará as exigências de um país dividido. Se tentar impor medidas repressivas a alguns grupos minoritários contra os quais fez campanha, sobretudo muçulmanos e latinos, provocará uma feroz resistência…”.

Os imperialismos europeus também expressam sua preocupação: o presidente francês François Hollande (com um tanto de humor ácido) declarou: “Felicito ao novo presidente dos Estados Unidos porque é o habitual, mas não posso esconder nossa insegurança”.

Quer dizer, além da própria dinâmica da luta de classes nos Estados Unidos e no mundo, a vitória de Trump mostra uma fissura profunda dentro da burguesia imperialista estadunidense e também mundial. Fissura a partir da qual, como dizia Lenin, podem desenvolver-se as mobilizações e a luta dos trabalhadores e das massas.

Por isso, com uma dinâmica que está aberta, acreditamos que, se essas eleições expressam algo, é o desenvolvimento dos elementos da crise vivida pelo regime político estadunidense. Para nós, a eleição de Trump, longe de encerrar esta crise e fortalecer [o regime], pode aumentá-la.

Como revolucionários, nos cabe impulsionar a luta contra este novo inimigo, nos Estados Unidos e no mundo. Como vimos, nos Estados Unidos, as mobilizações já começaram. É necessário evitar as divisões xenofóbicas, racistas e machistas que querem impor entre os trabalhadores e unificar todas as lutas e demandas contra o novo governo: a juventude que já se mobiliza, o fortalecimento da luta pelo salário de 15 dólares por hora, a defesa da saúde e educação públicas, a luta pelos direitos dos imigrantes (especialmente os latinos) e as reivindicações de Black Lives Matter contra a repressão e os assassinatos policiais, e pela defesa dos direitos dos negros.

Neste caminho de luta, é necessário avançar na construção de um partido operário socialista e revolucionário, que expresse os interesses de todos os setores da classe trabalhadora e incorpore a luta contra todas as opressões.

No mundo, cai com Trump a máscara hipócrita e “simpática” de Obama (que causou tanta confusão nas massas). O imperialismo volta a mostrar sua cara feia e verdadeira: xenófoba, racista, machista, exploradora e prepotente. Isso pode ser uma alavanca para a consciência e a luta anti-imperialista em todo o mundo, como aconteceu no período de Bush, em que multidões se reuniam para repudiá-lo em cada país que visitava. Vamos encher o mundo de manifestações contra Trump e o imperialismo!

Tradução: Isa Perez

Comitê Executivo Internacional da LIT -CI

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