Greve geral na Itália: trabalhadores se mobilizam contra ataques e planos de ajuste do governo


17/12/2014 - Na sexta-feira, dia 12, a Itália parou numa greve geral. A mobilização contou com a adesão dos trabalhadores do setor público e privado e teve manifestações em mais de 50 cidades. O motivo dos protestos são os ataques do governo aos direitos trabalhistas e o plano de cortes que pode atingir 18 bilhões de euros do Orçamento do país.

O blog PSTU Vale entrevistou o professor Eraldo Strumiello que está na Itália e tem acompanhado as manifestações.


PSTU Vale- Como foi a greve geral que afetou a Itália no último dia 12?
Eraldo - A imprensa burguesa fala em um milhão e meio de italianos nas praças. Foram mais de 50 cidades onde houve manifestações. Os principais setores que paralisaram foram os transportes (trens, ônibus e aéreos), metalúrgicos, correios, professores e serviço público em geral. Em algumas praças, como Milão, houve enfrentamentos entre policiais e estudantes.

PSTU Vale - Quais os principais motivos dos protestos que atingem o país?
Eraldo - A alteração do artigo 18 da Constituição, o chamado “Jobs Act”, irá permitir a demissão de acordo com a vontade dos patrões. Entra em vigor o contrato temporário como parte da legislação, o que na prática acaba com a estabilidade no emprego. Existe também um descontentamento geral com a política econômica do governo. Com a situação de desemprego por aqui, essas medidas provocam muita indignação.

PSTU Vale - Como a crise econômica mundial atingiu a Itália?
Eraldo - Vemos muitas fábricas fechadas e com a diminuição dos empregos aumenta o número de trabalhadores pedindo ajuda pelas ruas. O desemprego está em 13,2%, dados de outubro divulgados em 28/11. O pior índice em mais de 30 anos. Entre os jovens chega a 43%. Além do desemprego, os trabalhadores e a juventude no país enfrentam uma precarização crescente. 70% das contratações recentes são temporárias, o que facilita a superexploração, principalmente da juventude. Outro sintoma da crise é são as mobilizações por moradia. Os conflitos com a polícia nas situações de desocupação de prédios públicos são uma constante nas grandes cidades como Roma, Milão e Bolonha.

PSTU Vale - Quais as medidas das reformas trabalhistas e dos ajustes fiscais que têm sido feitas pelo governo?
Eraldo - As medidas vão desde o chamado “acordo de representatividade”, proposto pelo governo e assinado pelas principais centrais sindicais como a CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho) e a UIL (União Italiana do Trabalho), que limita a representação por local de trabalho, passando pelo corte nos gastos públicos. Na área da educação, por exemplo, o governo lançou o plano “Boa escola” que, na prática, institucionaliza o professor precário, sem realização de concurso público, fazendo com que o professor trabalhe mais horas. Assim como a alteração do artigo 18, mencionada anteriormente, são medidas que atacam diretamente os trabalhadores.

PSTU Vale – Há algum processo de reorganização no movimento sindical italiano?
Eraldo - Tenho a opinião de que existe um processo ainda muito desigual, mas o fenômeno da reorganização é presente por aqui. A greve dos operários da aciaria de Terni é um exemplo. Ela iniciou passando por cima da FIOM (Federação dos Trabalhadores Metalúrgicos), mesmo que depois a própria federação retomou o processo e dirigiu a mobilização. Existem outros exemplos, como dos operários da Pirelli ou da Ferrari, que se tornam delegados sindicais pela FIOM e depois rompem, passando a defender as bandeiras da CUB (Confederação Unitária de Base) ou da Si-Cobas (Sindicato Intercategorias de Trabalhadores Autônomo), organizações que se reúnem no "No Austerity", uma espécie de central sindical e popular ainda minoritária que reúne trabalhadores, estudantes, migrantes e sem-teto, claramente rompidas com a burocracia e com uma política mais combativa. Diria que há um início de processo de ruptura com o velho, combinado a uma tentativa de reagrupamento em algo novo, mas ainda sem alternativa clara.

PSTU Vale - Novas mobilizações já estão previstas ou podem acontecer?
Eraldo - Em outubro e novembro tivemos muitas lutas por aqui, lutas dos mais diversos setores. A greve dos operários da Aciaria de Terni no início de novembro foi emblemática. É uma aciaria que era estatal e foi vendida para a ThyssenKrupp. A empresa ameaçou de demissão e os operários paralisaram em uma greve muito radicalizada, passando por cima da FIOM, obrigando a federação de metalúrgicos a marcar duas paralisações.
Tivemos ainda outras mobilizações: a greve do setor de logística (16/10); a greve convocada pela USB (24/10). Em 25/10, a CGIL colocou um milhão de pessoas na praça de Roma; em 14/11, aproveitando a convocação para a greve dos metalúrgicos da FIOM, várias organizações, entre elas o movimento estudantil, convocaram uma greve que reuniu milhares em Milão e outras cidades. No dia 21/11, houve nova manifestação dos metalúrgicos da FIOM, agora no sul do país.
A primeira ministra da Alemanha, Ângela Merkel, declarou recentemente que as medidas tomadas pela Itália e pela França são insuficientes, indicando que devem vir medidas ainda mais duras contra os trabalhadores. Com isso, as mobilizações devem continuar. O setor de logística pode iniciar o mês de janeiro de 2015 com uma nova onda de protestos.

PSTU Vale - Qual as bandeiras defendidas pelo Partido da Alternativa Comunista (PdAC), seção italiana da LIT-QI?
Eraldo - As principais bandeiras são que os patrões paguem pela crise, não aos planos de austeridade, não ao “Jobs Act” (alteração do artigo 18 e lei da estabilidade), fim do acordo de representação, por uma política econômica e social voltada aos trabalhadores.